Do jornalismo à poesia, saudades de Chiko Kuneski

16/11/2023 22:20

Chiko, na festa de 30 anos da Benevides Paixão. Foto de Rogério Amendola

Convite de formatura

Parte da turma, em intervalo de aula

 

 

Jornalistas são treinados a dar notícias. Faz parte do ofício – não importa a hora, o meio, o teor. Trabalham com palavras precisas, correm contra o tempo, ficam em cima dos fatos, fiscalizam e defendem o bem público, mas nem sempre divulgam as melhores informações. Ainda que acostumados a essa rotina, há notícias que os impactam. Reverberam por dias, desconcertam.

No último dia 24 de outubro, pela manhã, antes dos jornais e portais de Santa Catarina anunciarem as manchetes do dia, frases que ninguém esperava ecoaram entre os jornalistas egressos do Curso de Jornalismo da UFSC. “A notícia que eu jamais queria contar: meu melhor amigo, Chiko Kuneski, faleceu hoje de manhã”, escreveu nas redes sociais e em grupo de mensagens o jornalista Paulinho Scarduelli, deixando sem ação seus colegas benevidenses.

Benevides Paixão é o nome da turma de formandos de 1985, da qual Francisco Carlos Kuneski, o Chiko, fez parte. Foi inspirado no personagem-jornalista do cartunista Angeli, quem, nos anos 1980 e 1990, fez a cabeça da moçada com suas tirinhas irônicas, roqueiras, undergrounds – Rê Bordosa, Wood&Stock, Bob Cuspe, Meia Oito, os Skrotinhos que o digam. A referência proposital à HQ transgressora carregava uma identificação comum àquela geração de contestadores. Tanto que a Benevides Paixão não vestiu a tradicional beca escura na formatura, mas foram todos de branco: “para sermos mais claros!”, provocou então o colega orador para uma grande plateia, um texto de criação coletiva com toques certeiros do Chiko.

E Chiko era certeiro com as palavras. Com elas conviveu a maior parte da vida – desde as notícias da prática profissional, passando por tiradas provocativas nas redes sociais e ao vivo (estas regadas a muitos risos e goles com os amigos benevidenses da vida inteira, Mauro Pandolfi, Sandro Shiguefuzi, Zeca Virtuoso e Paulinho Scarduelli), até as crônicas e os poemas musicados por Luíz Aurélio Baptista e outros reunidos em seus três livros – D’Vagar si não aleija (2001), Diário do nada. Cem dias sem mundo (2020) e Choro dionisíaco (2022).

No exercício do jornalismo, que foca o interesse público e exige textos precisos, sem duplo sentido, onde a palavra fica restrita ao referencial que nomeia – algo essencial para a rápida compreensão do leitor –, Chiko se manteve atuante, trabalhando como assessor de imprensa da Prefeitura de Florianópolis, entre 1986 e 2013. Contemporâneos da imprensa local que a ele recorriam em busca de informações elogiam até hoje seu profissionalismo: ele sabia que jornalistas têm pressa ao fiscalizar os poderes públicos, sabia que na outra ponta está a sociedade esperando por respostas.

A convicção de Chiko de que a prática jornalística é ferramenta de luta para a construção de uma sociedade mais cidadã já estava presente em seu Trabalho de Conclusão de Curso (TCC), intitulado “Implantação de Equilíbrio: órgão informativo da Associação Florianopolitana de Deficientes Físicos (Aflodef)”. Lá ele escreveu: “Sou deficiente físico. Há muitos de nós pelo estado e pelo país. Pensando nisso e aliando esse fato à profissão que estou assumindo, resolvi implantar um jornal para os Deficientes Físicos de Santa Catarina. Será um jornal para tratar de nossos problemas, para unir os deficientes, para sensibilizar a comunidade”. Sobre o título escolhido para o boletim, usando da racionalidade que prezava, explicou: “Equilíbrio representa sobriedade, razão. A mesma sobriedade e racionalidade que deve dirigir a luta dos deficientes”.

A luta cidadã de que Chiko foi protagonista em Florianópolis e em Santa Catarina, com os anos se fortaleceu e se espalhou pela sociedade brasileira. Hoje, a palavra “deficiente” deu lugar à expressão “pessoa com deficiência”, expondo a consciência de que palavras carregam valores, e mesmo que haja muito a conquistar, o Brasil tem a Lei nº 13.146, de 6 de julho de 2015, que criou o chamado Estatuto da Pessoa com Deficiência, assegurando-lhes e promovendo direitos e condições de igualdade.

Mas nem só da precisão jornalística quis viver o Chiko. Tão logo se aposentou, sua relação com as palavras foi ganhando asas e passou a flertar com os múltiplos sentidos textuais, de olho nas entrelinhas e em diferentes acepções que também traduzem e escrevem o real.

Primeiro aconteceu com suas crônicas, na parceria com o jornalista Pandolfi, no blog Crônicas por tubo (cronicasportubo.blogspot.com), que se centrou sobre o universo do futebol. Chiko foi torcedor apaixonado do Flamengo e nem sempre politicamente correto em suas crônicas, como reconheceu. Em “O Tango e o Cancan”, sobre a final da Copa de 2022, que deu à Argentina o tricampeonato mundial frente à França, lançou mão da analogia entre as danças típicas de cada país para ressaltar que, mesmo com a vitória, o tango deu lugar à arrastada milonga em pleno “tablado de grama e paixão”: seus textos foram, assim, vestindo-se de metáforas, alegorias e outras figuras de linguagem, também de gírias, oralidade, opinião e muitas lembranças.

O passo decisivo de Chiko rumo à plurissignificação das palavras veio, afinal, com sua descoberta da poesia. Em versos livres, sem a formalidade da prosa, brincando com a espacialidade das estrofes, sem se ater a métricas e rimas, seus poemas, revestidos de vazios provocadores, preencheram os leitores de uma revoltada e dolorida percepção, em especial sobre os dias da pandemia, em que, enclausurados, vimos a vida passar ao longe – ainda que, paradoxalmente, houvesse muita vida próxima. Em Diário do nada, resume bem essa sensação seu Haikai Confinado: “Nesses dias de não e não…/O que me deixa em pânico/ É perder a conexão”.

A voz poética de seus últimos poemas não se tornou menos consciente sobre a finitude dos homens, sobre a própria finitude. Há exato um ano de sua partida, nas redes sociais, o poema Antepasto já antecipava o retrato do homem frente a seus mais profundos conflitos. “Vou jantar a comida fria/ Eu e meu vinho/ Como a jantar-me/ Autofágico, sozinho/ […]/ Nesse fim de mim mesmo/ Deitado e sentado à mesa/ Devorar-me ao fim/ Sem sobremesa”.

Chiko, o jornalista-poeta, revelou uma dicção que não é alheia ao que o presente é capaz de produzir nos diferentes corações. Ainda que usando palavras com múltiplas interpretações, ainda que diferentemente dos textos jornalísticos, fez o registro de seu tempo – e os efeitos desse tempo sobre os homens. Um tipo especial de jornalismo. Na partida precoce de outro jornalista egresso do curso, o cartunista Frank Maia, em 05 de junho de 2022, traduziu esse sentimento com o vazio de um domingo triste e úmido: “[..]/ Como as gotas chuvosas/Chorando às janelas/ Olhando-me olhar/ O cinza sem matiz/ Nesse mero vagar/ Sobrevivendo na poesia/ Ouvindo Chico/ Lendo Chiko/ Afogando em conhaque/ Esse infinito domingo”.

Hoje estamos nos despedindo das provocações de Chiko Kuneski. Não sem importantes desconcertos. Desde que ele partiu, alternam-se e se mesclam em nós o susto, o entorpecimento, as saudades, o sentimento do vivido e a dura consciência da iminência daquela “marca do nosso estranho destino sobre a terra, [d]aquele fato sem explicação que iguala tudo o que é vivo”, como diria o escritor Ariano Suassuna. Ou de sabermos estar, afinal, “ampulhetando o fim”, como Chiko escreveu em Vida Gotejada.

Ao longo dos últimos dias, a dura e inesperada notícia de sua partida, aos 60 anos, deixando a companheira Maria Luiza Cascaes, familiares e muitos amigos, foi ganhando outros contornos e novos sentidos – e assim (e aqui) se fez crônica. Chiko entenderia.

 Texto: Valentina da Silva Nunes, da turma Benevides Paixão

Jornalismo UFSC obtém segunda melhor nota do país em ranking universitário

16/11/2023 10:17

O Curso de Jornalismo da UFSC acaba de conquistar mais um excelente resultado nacional. De acordo com o Ranking Universitário Folha 2023 (RUF), divulgado nesta semana, o curso ficou em segundo lugar, com 63,22 pontos, no item qualidade de ensino e número de ingressantes, atrás apenas da Universidade de São Paulo (USP), que nesse quesito obteve 63,48 pontos. O curso foi destaque também em avaliação de docentes, alcançando 39,36 pontos, contra os 40 pontos da USP – embora tenha ficado em primeiro lugar em professores com mestrado e doutorado e com dedicação integral e parcial.

O RUF 2023 avaliou 40 carreiras nas 203 universidades ativas do país, entre públicas e privadas, o que totalizou 2.200 instituições de ensino (considerando-se universidades, centros universitários e faculdades) e 18 mil cursos presenciais de maior demanda consultados. A edição deste ano do RUF volta depois de quatro anos, já que a pesquisa permaneceu suspensa durante a pandemia.

Performance da UFSC

Na classificação geral do ranking, a UFSC ficou na sétima posição como universidade mais bem avaliada do país, com um total de 93,85 pontos. Acima da UFSC, na classificação geral, só aparecem universidades também públicas: USP (98,85 pontos), Unicamp (98,20 pontos), UFRGS (96,29 pontos), UFRJ (96,10 pontos), UFMG (95,57 pontos) e Unesp (95,38 pontos).

Além da segunda posição nacional do Curso de Jornalismo, obtiveram destaque no ranking nacional outros cinco cursos da UFSC: Engenharia de Controle e Automação (2º. lugar), Engenharia de Produção (2º lugar), Engenharia Mecânica (3º. lugar), Ciências Contábeis (4º. Lugar), Engenharia Civil (5º. lugar) e Engenharia Elétrica (5º. lugar) – entre outros que ficaram do 6º.  ao 10º. lugar.

O RUF analisa 18 componentes em cinco aspectos – nove em Pesquisa (peso de 42%), quatro em Ensino (peso de 32%), dois em Internacionalização (peso de 4%), dois em Inovação (peso de 4%), e um em Mercado (peso de 18%) –, os quais somam 100 pontos. No aspecto Pesquisa, são avaliados: o total de publicações, de citações, de citações por publicações, publicações por docente, publicações em revistas nacionais, recursos recebidos, bolsistas CNPq e teses defendidas por docentes. No Ensino, avaliam: percentuais de professores com doutorado e mestrado, de professores em dedicação integral e parcial, nota do Enade (Exame Nacional de Desempenho dos Estudantes) e opinião de docentes de ensino superior mediante pesquisa nacional do DataFolha. Em Internacionalização: citações internacionais por docentes e publicações em coautoria. Em Inovação: número de patentes pedidas pela universidade e as parcerias com empresas. E em Mercado: consideram pesquisa de opinião de empregadores, aplicada nacionalmente pelo DataFolha.

Os dados que compõem os indicadores são levantados pela Folha de S.Paulo em bases nacionais e internacionais de periódicos científicos, de patentes (INPI), do Inep-MEC (Censo da Educação Superior e Enade) e disponibilizados por agências estaduais e federais de fomento à ciência. As duas pesquisas nacionais de opinião, realizadas pelo DataFolha com empregadores e com professores, também entram na pesquisa. Mais informações no link ruf.folha.uol.com.br

Egressos do curso de Jornalismo da UFSC são semifinalistas do Prêmio Jabuti

10/11/2023 17:00

Os livros dos jornalistas Juliana Dal Piva, O Negócio de Jair: a história proibida do clã Bolsonaro (Zahar, 2022), e de Celso Vicenzi, Voar na Imaginação (Arte Editora, 2022), estão entre os 10 semifinalistas da 65a edição do Prêmio Jabuti, nas categorias Biografia e Grande Reportagem (Dal Piva) e Infantil (Vicenzi). As obras foram selecionadas entre 4.245 trabalhos inscritos. Uma das mais tradicionais honrarias literárias do país, o Prêmio é concedido pela Câmara Brasileira do Livro, desde 1958.

O Negócio de Jair: a história proibida do clã Bolsonaro resulta de mais de três anos de trabalho de apuração da repórter e  parte do escândalo das rachadinhas, exposto pelo caso Queiroz, para contar a trajetória do ex-presidente da República  Jair Bolsonaro na vida política.

Em Voar na Imaginação, Vicenzi leva às crianças um livro que brinca com as palavras, lançando mão de trocadilhos e combinações, e apresenta a elas o mundo das aves brasileiras. A obra é ilustrada por aquarelas de Andrea Honaiser. Além disso, traz um QR Code que dá acesso a um site, onde é possível ouvir o canto de pássaros selecionados pelo biólogo Tomás Honaiser.

Os dois autores são egressos do curso de Jornalismo da UFSC. Juliana Dal Piva se formou no ano de 2009. É mestra pelo Centro de Pesquisa e Documentação de História Contemporânea do Brasil da FGV. Foi repórter dos jornais Folha de S.Paulo, O Dia e O Estado de S.Paulo. Já venceu o prêmio Libero Badaró de Jornalismo Impresso em 2014, por uma reportagem sobre o desaparecimento do deputado Rubens Paiva. No mesmo ano, foi agraciada com uma menção honrosa do Prêmio Vladimir Herzog de Anistia e Direitos Humanos. Escreveu o livro-reportagem Em luta pela terra sem mal (Multifoco, 2012).

Celso Vicenzi concluiu a graduação em 1984. É autor também de Gol e Orgasmo (Unisul, 2010), ilustrado pelo cartunista Paulo Caruso; da coletânea de textos publicados em sites especializados O Analfabeto Midiático (Nave Editor, 2016); O caos tá funcionando na mais perfeita ordem (Insular, 2020); e de Não me levem a sério – Dicionário de humor (2a edição, Insular, 2023). Atuou em rádio, tevê, jornal, revista e foi professor de redação na Faculdade de Jornalismo do Ielusc (Joinville/SC). Ganhou vários prêmios jornalísticos estaduais e regionais, além do Prêmio Esso de Ciência e Tecnologia (1985) concedido pela primeira vez em 30 anos de existência a um jornalista que concorreu por um veículo de comunicação fora do eixo Rio-São Paulo. Foi também presidente do Sindicato dos Jornalistas  de Santa Catarina por duas vezes.

A lista dos cinco finalistas de cada categoria será publicada no dia 21 de novembro e a cerimônia de premiação ocorrerá no Theatro Municipal de São Paulo, em 05 de dezembro.